‘Esqueceram que foram eleitos pelo povo’, diz bispo da Amazônia, Dom Ionilton, após Câmara aprovar tese do marco temporal

Bruno Pacheco – Da Redação O Login da Notícia

ITACOATIARA (AM) – O bispo Dom José Ionilton, do município de Itacoatiara, no interior do Amazonas, chamou a atenção dos deputados da Câmara Federal após a aprovação, na noite desta terça-feira, 30, do texto-base do Projeto de Lei 490/07, que trata sobre a tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Para o líder religioso, os parlamentares esqueceram que foram eleitos pelo povo e para defender os interesses da população.

“283 deputados/deputadas federais de todo o Brasil hoje esqueceram que eles foram eleitos pelo povo e para defender os interesses do povo. Estes deputados/deputadas votaram um Projeto de Lei para prejudicar os Povos Indígenas de nosso país”, lamentou Dom Ionilton.

O bispo cita ainda um trecho do artigo 1°, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo Poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, destacou, para lembrar que os parlamentares deveriam ser representantes do povo. Na publicação, Dom Ionilton mostra ainda como votaram os parlamentares do Amazonas.

Audiência

Na semana passada, Dom Ionilton foi um dos representantes da Amazônia que estiveram em uma audiência pública na Comissão de Legislação Participativa, na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). O bispo da Prelazia de Itacoatiara, que também é secretário da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil), pediu para que o Congresso emane leis para tornar o País “ecologicamente correto”.

“Esperamos que o Senado possa cumprir sempre a sua missão, de representantes do povo, como está na Constituição Federal. Que do Congresso emanem leis que sirvam para tornar nosso país ecologicamente correto e economicamente justo; leis que garantam nosso estado democrático, que defendam os direitos de todos os povos e da mãe natureza; leis que combatam o trabalho escravo e que colaborem para a superação da violência no campo e na cidade. Que o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério do Meio Ambiente consigam apoio desta casa e do senado para implementar suas ações, cumprindo assim aquilo que foi prometido durante a campanha do atual governo federal”, declarou, em Brasília. Confira o posicionamento do bispo, na íntegra, no link.

O projeto

O projeto de lei foi aprovado nesta terça-feira, 30, na Câmara. O texto, no entanto, segue para votação pelos senadores.

O substitutivo do relator, deputado Arthur Maia (União-BA), prevê que a demarcação de terras indígenas valerá somente para as áreas que eram ocupadas por povos tradicionais até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O Plenário rejeitou os dois destaques apresentados, sendo que um deles, do PSOL e Rede, sugeria a exclusão desse trecho.

Julgamento

A tese do marco temporal também está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a legalidade da medida em 7 de junho deste ano. Pela tese, defendida por proprietários de terras e ruralistas, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela procuradoria do estado

O placar do julgamento está empatado em 1 a 1: o ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor. A análise foi suspensa em setembro de 2021 após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. 

Inconstitucional e genocida

“Um genocídio legislado”, assim define a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) o Projeto de Lei 490/2007. O texto, cujo regime de urgência foi aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados, com mérito para ser votado nesta terça-feira, 30, é duramente criticado pelas populações tradicionais e visto como inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).

Veja também: Marco Temporal: entenda tese para demarcar terras indígenas e que MPF vê como inconstitucional

Em nota, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgou nota pública nessa segunda-feira, 29, nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do projeto de lei e alertando para a análise direta do texto, sem passar por comissões mistas.

No documento, o MPF chama atenção para a “impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta frontalmente inconstitucional”.

Para as populações tradicionais, a tese do Marco Temporal ataca diretamente os direitos de demarcação de terras indígenas, além de ser uma manobra estritamente jurídica que tenta deturpar o direito constitucional dos povos originários. Na prática, segundo lideranças, o texto busca desconsiderar toda violência sofrida pelos indígenas ao longo dos séculos. 

“A tese do Marco Temporal é um retrocesso para a democracia. Ela é inconstitucional, viola o direito indígena originário e não coloca em risco somente as terras que estão por demarcar, mas afeta todas aquelas que já estão demarcadas e deveriam estar protegidas pela lei e pelas instituições”, defende a Apib.

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