Mineira de origem, amazonense de coração: Elen França, a Moranguinho, conquistou Itacoatiara com simpatia, vestido vermelho e picolés cheios de afeto. Uma história doce de recomeço, fé e coragem (Fotos: Paulo Ricardo/O Login)
Bruno Pacheco – Portal O Login da Notícia
Sob a sombra generosa das árvores da Avenida Parque — a mais charmosa e arborizada de Itacoatiara, inspirada na famosa Champs-Élysées, de Paris — uma figura colorida se destaca no vai e vem dos pedestres. No coração do Túnel Verde, como é conhecido o corredor natural formado pelas copas entrelaçadas, Elen França empurra seu carrinho de picolés como quem carrega um sonho. De vestido vermelho e seu colar personalizado, salto alto impecavelmente elegante e um chapéu rosa sob seu cabelo solto, ela já virou parte da paisagem da cidade. Ali, a Moranguinho não vende apenas sorvetes — ela oferece acolhimento.
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Mineira de fala suave, tímida e olhar sereno, mas carregado de garra e resiliência, Elen tem 41 anos e chegou ao Amazonas há cerca de 10 anos anos movida por um propósito: dedicar-se ao trabalho voluntário como Testemunha de Jeová. Mas, com o fim do auxílio emergencial e ela sem emprego no período da pandemia, surgiu um dilema real — como se manter financeiramente sem abandonar sua missão espiritual?
Foi então que apareceu a resposta, simples como um dia quente com gosto de fruta gelada. “Eu estava andando pelo centro quando vi um senhor saindo de uma sorveteria com um carrinho. Na hora, algo acendeu e vi uma possibilidade. Entrei na sorveteria e perguntei se estavam precisando de alguém. E eles disseram sim”, lembra a Moranguinho.

Desde então, Elen faz parceria com a Sorveteria Delícia, que lhe emprestou o carrinho para que ela pudesse começar a trabalhar. Com atenção aos detalhes, carinho e simpatia, ela logo se destacou. Foi ela quem criou o visual que hoje é sua marca registrada e rendeu o apelido que encanta crianças e adultos.
“Queria algo alegre, que representasse a leveza dos sorvetes e também meu carinho pelas pessoas. Hoje tem criança que chora se a mãe não para no meu carrinho. Eles quem me chamam de Moranguinho, por conta do meu vestido e adotei esse nome”, diz, rindo com a simplicidade de quem ama o que faz.
A missão de Moranguinho
Antes de se tornar a vendedora mais querida da Avenida Parque, Elen foi promotora de vendas em Minas Gerais, representando marcas em supermercados. Atualmente, além de vender picolé, é também voluntária das Testemunhas de Jeová, igreja que escolheu para sua vida. A caçula de sete irmãos deixou para trás o aconchego familiar em busca de autonomia — e encontrou no Norte do Brasil um novo lar, uma nova profissão e, principalmente, um novo sentido para sua trajetória.
“Antes de vir para a avenida, eu oro para Jeová para poder me dar forças e ele tem me ajudado a vencer os desafios. Cada sorvete vendido é um passo na minha independência. E eu acredito que é mais do que um trabalho, é parte da minha história. Eu não sei o que faria hoje se não fosse vender picolé nesse corredor de árvores. Eu amo ver e falar com meus clientes, e eles me respeitam, me dão conselhos e admiram”, descreveu Elen.

Um começo difícil
Elen, a Moranguinho, faz parte dos milhões de brasileiros que lutam diariamente para levar o sustento para casa, em um trabalho autônomo e que precisa resistir mesmo diante do sol ou da chuva. Ela contou ao Login da Notícia que, no começo das vendas de picolé, o trabalho foi difícil. Os pés doíam, o desânimo batia, mas a vontade de conquistar o que era seu foi maior.
“Foi difícil, eu confesso. Porque eu precisava andar pela cidade, e nesse sol de quem só mora aqui sabe [risos], em um calor… as vezes eu atravessava a cidade de um lado para o outro. Hoje, costumo ficar mais na Avenida, em frente ao banco da Caixa Econômica, onde tem clientes que vêm até mim. Acho que se não fossem as pessoas, a generosidade, e sem essa sombra das árvores, seria ainda mais difícil”, lembrou.

Consigo pagar minhas coisas
Vivendo com apoio do salário mínimo do marido, Elen se orgulha ao dizer que consegue pagar suas contas com a venda de picolé e ajudar em casa. Hoje, a mineira mora de aluguel no bairro Iracy, onde busca construir seu legado. Sem filhos, a Moranguinho destaca que não tem auxílio do bolsa família, ou outro benefício, e que precisa “se virar”.
“Não o que eu faria se não fosse esse emprego, teria que dar algum jeito… antes de começar a vender, eu cheguei a entregar currículo nas lojas, mas não consegui trabalho. Graças a Jeová, aqui eu consigo pagar minhas contas e ajudar em casa”, disse.
Na chuva
Há alguns meses, a Moranguinho viralizou nas redes sociais ao ser vista no meio de uma chuva intensa, amazônica, em Itacoatiara. Com seus trajes de vermelho, seu carrinho de picolé, e seu salto alto, Elen manteve o caminhar elegante e o sorriso no rosto, mesmo sob as águas [Assista ao vídeo no final].
Ao Login, a mineira lembrou do momento de força, resiliência e determinação. “Quando eu saio de casa, eu não volto até vender tudo, de cumprir minha meta. E como eu já estava na rua, acabei pegando aquela chuva”, contou.
“Eu não quero que as pessoas comprem picolé por pena, sabe? Por isso que eu me visto bem. Eu gosto de ficar bem arrumada, para causar uma boa impressão”
elen frança, a moranguinho

“Já pensei sim, em desistir”
Diante de tantos desafios, lembrou Elen ao portal O Login, o pensamento sobre desistir foi quase que inevitável. Mas, como ela mesmo destacou, com Jeová em suas rezas lhe guiando, a Moranguinho se manteve em pé, e de salto alto.
“Já pensei em desistir… pensei sim. Foi na época da chuva, porque chovia todos os dias, no inverno… Mas Deus sempre ajuda alguém para nos ajudar. Teve uma vez que um senhor comprou todos os meus picolés, e estava chovendo. Eu não ia vender muito e ele me salvou. Acho que, a generosidade, existem pessoas que já nascem com isso, em querer ajudar. A minha gratidão a esse homem”, afirmou a Moranguinho.
Empreender precisa de coragem
Hoje, entre sabores de morango, cupuaçu e açaí, Elen espalha muito mais do que refresco: distribui fé, afeto e a certeza de que recomeçar é possível, mesmo longe de casa. Sua presença constante no Túnel Verde já virou símbolo de perseverança, leveza e coragem — e seu carrinho, uma espécie de ponto de encontro para quem busca um pouco de doçura no meio da correria.
A história de Elen é um lembrete de que o empreendedorismo também pode nascer da empatia, da fé e do desejo genuíno de fazer o bem. E que às vezes, basta um vestido vermelho e um coração generoso para transformar uma simples esquina em ponto turístico de afeto.
“Para as mulheres, que todas descubram o que elas gostam e usem isso para ganhar dinheiro, empreender. Eu gosto de sorvete e picolé, e optei por vender isso. Assim elas terão uma motivação maior para alcançarem seus sonhos”
elen frança, a moranguinho

Dicas de ouro
Apesar da leveza que carrega nos gestos e no sorriso, a trajetória de Elen França é também uma aula prática de empreendedorismo — algo que especialistas reconhecem e exaltam.
Para o professor de inglês Pedro Daniel Sombra, especialista em negociação avançada e executivo de desenvolvimento de negócios internacionais, histórias como a de Elen revelam lições valiosas para quem deseja começar ou consolidar um pequeno negócio.
Formado em Administração pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e em Gestão de Logística e Operações Internacionais pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Daniel Sombra destaca que entender bem o que se vende, acreditar no próprio produto e se comunicar com o público certo são atitudes fundamentais para alcançar o sucesso, especialmente quando os recursos são limitados.
Ao Login da Notícia, o executivo compartilhou quatro orientações práticas e preciosas para quem quer transformar o pequeno comércio em uma marca respeitada e reconhecida, especialmente, com o conhecimento da venda:
1 – Mostre que você entende do que está vendendo
Não importa se você vende suco, churrasco ou carros: quando você fala com propriedade, o cliente sente confiança.
Dê detalhes, explique o que torna seu produto especial. Por exemplo:
“Esse suco é 100% fruta, sem açúcar nem conservante. É feito na hora.”
“O motor desse carro é de 190 cv, o mais forte da categoria. Sobe uma montanha com 300 kg de carga!”
“Esse tipo de fala mostra domínio. Quem domina o que vende, vende mais”, afirma Daniel Sombra.

2 – Acredite de verdade no seu produto
Se você sabe que o que oferece é bom, transmita isso com energia e sem medo nenhum!
“Esse é o melhor churrasco da cidade. Se você comer e não gostar, nem precisa pagar.”
“As pessoas compram pela emoção e depois justificam com lógica”, reforça o especialista.
3 – Saiba destacar seus pontos fortes
Antes de tentar convencer alguém, pense: por que o cliente escolheria você e não o concorrente?
Pode ser pela localização, pela apresentação do produto, pelo sabor, pelo atendimento, pela higiene, pela confiança etc.
“Reforce sempre seus diferenciais. Quem sabe vender o que tem de melhor, sai na frente”, explica o profissional.
4 – Fale com o público certo, do jeito certo
Entender o seu público é o segredo da boa propaganda!
Você quer chamar a atenção do público certo, então precisa entender:
Do que eles estão atrás? Qual o tipo de cliente que meu negócio chama ou quer chamar?
“Nem tudo é só preço! Lojas de joias de luxo não precisam colocar um cartaz bem grande dizendo que estão em promoção ou um cartaz com o valor do produto na porta. Não é o que esse tipo de cliente está atrás e, na verdade, até afasta esse público. O valor está na qualidade, design e exclusividade”, frisou.
Pedro Daniel Sombra conclui: Agora, se o seu negócio é focado em um público que quer o melhor preço, aí você coloca um cartaz bem grande: “3 por R$ 10,00”; “compre uma e leve 2”; “a mais barata da cidade” etc.
Realidade informal
As orientações de Pedro Daniel Sombra trazem um guia valioso para quem busca empreender com mais preparo, conhecimento e foco no público certo. São dicas que ajudam a transformar pequenos negócios em marcas respeitadas, especialmente em um ambiente competitivo e com recursos limitados.
Mas, para grande parte dos trabalhadores no Amazonas, como Elen França, essa jornada acontece em um cenário desafiador: o mercado informal ainda domina o estado, refletindo uma realidade que atinge mais da metade da população ocupada, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população ocupada na região, 53,3%, atua sem registro formal, configurando a quarta maior taxa de informalidade do país.
No Amazonas, quase 1 milhão de pessoas (982 mil) atuam sem vínculo formal de emprego, ainda segundo o IBGE. São autônomos, vendedores, diaristas, ambulantes e pequenos empreendedores que movimentam a economia, mas sem as garantias previstas pela legislação trabalhista, como aposentadoria, licença médica ou auxílio-desemprego. A maioria, também não possui registro como Microempreendedor Individual (MEI), o que dificulta ainda mais o acesso a crédito, proteção social e oportunidades de crescimento.
Vale lembrar que, em Itacoatiara, existem aproximadamente mais de 2 mil MEIs registrados, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no município. Por conta do receio em se registrar, muitos trabalhadores também acabam atuando na informalidade.
“Isso acontece muito, pois o microempresário, infelizmente, sente receio em se formalizar com medo das taxas, por acreditar que elas são altas. Mas, o Sebrae tem apoiado e explicado os benefícios para esses empresários, como ter mais segurança, acesso a linhas de créditos, e outros”, declarou a gerente de escritório regional do Sebrae Itacoatiara, Jady Ferreira.
Diante desse cenário, a importância da formalização é cada vez mais destacada como um passo decisivo para fortalecer os pequenos empreendedores e ampliar suas oportunidades no mercado. Segundo a Agência Sebrae, uma pesquisa realizada pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), no Brasil o impacto econômico da formalização dos MEIs pode chegar a R$ 69,56 bilhões. Além disso, a renda média desses trabalhadores tende a aumentar entre 7% e 25% após a obtenção do CNPJ.
Mais do que números, a formalização garante acesso a uma série de direitos e benefícios fundamentais: possibilidade de emitir notas fiscais, acessar crédito com melhores condições, participar de licitações públicas, contribuir para a Previdência e contar com uma carga tributária simplificada. Para muitos, é o caminho para sair da informalidade e transformar um negócio de sobrevivência em uma fonte de crescimento e estabilidade, ajudando a impulsionar não apenas a própria trajetória, mas também a economia local.
Conheça a história de Elen França, a mineira empreendedora: