Envio do caso para o Tribunal do Júri e denúncia contra cinco pessoas por ocultação de cadáver são os destaques da atuação criminal (Reprodução/MPF)
Da Redação – Portal O Login da Notícia
Um indigenista e um jornalista britânico em missão à segunda maior terra indígena do país, uma emboscada e dois assassinatos cometidos por motivo torpe e de forma cruel, sem chance de defesa para as vítimas. Há exatos dois anos, Bruno Pereira e Dom Phillips eram mortos no Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas, num crime que chocou o mundo. Eles foram dados como desaparecidos no dia 5 de junho de 2022, e as buscas mobilizaram autoridades brasileiras, indígenas, populações locais e a imprensa internacional.
Dez dias depois, os corpos foram localizados enterrados numa área de mata fechada, após a confissão de um dos envolvidos no crime. O Ministério Público Federal (MPF) atua no caso desde o primeiro dia e, dois anos depois dos assassinatos, segue trabalhando de forma ativa para obter a condenação de todos os envolvidos e melhores condições de vida e de segurança para as populações que habitam a região. Veja aqui a linha do tempo da atuação do MPF.
No âmbito criminal, são três frentes principais de atuação. A primeira delas é a ação penal contra os executores dos crimes. Amarildo da Costa Oliveira (conhecido pelo “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) foram denunciados pelo MPF cerca de um mês e meio depois dos assassinatos, em julho de 2023, por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Em outubro de 2023, após a análise das alegações finais, a Justiça Federal em Tabatinga pronunciou os réus nos exatos termos da denúncia do MPF. Isso significa dizer que o juiz concordou com as alegações do Ministério Público Federal e enviou o processo para julgamento pelo Tribunal do Júri.
O procurador da República Guilherme Diego Rodrigues Leal, atual responsável pelo caso, explica que o processo do júri tem duas etapas. “Na primeira fase ocorre o juízo de formação de culpa perante um juiz federal e, na segunda, ocorre o julgamento da causa pelo conselho de sentença, que são os jurados. Na primeira fase, o juiz não diz se o réu é culpado ou inocente, mas julga se existem elementos mínimos para que o caso seja submetido ao Tribunal do Júri. No caso concreto, houve a decisão de pronúncia, que marca o final da primeira fase. Então, o processo já está rumo à segunda fase”, diz ele.
Amarildo e Jefferson serão julgados por homicídio por motivo torpe e mediante emboscada no caso de Bruno e por homicídio mediante emboscada e para assegurar a impunidade do crime anterior no caso de Dom, bem como pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Já Oseney irá a júri popular apenas pelos homicídios. Os réus recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, se a pronúncia for confirmada, o processo irá a julgamento pelo plenário do Tribunal do Júri.
Em abril de 2024, em outro inquérito, o MPF denunciou cinco pessoas por ocultação de cadáver, crime previsto no art. 211 do Código Penal. Segundo a acusação, Eliclei Costa de Oliveira, Amarílio de Freitas Oliveira, Otávio da Costa de Oliveira, Edivaldo da Costa de Oliveira (parentes dos réus Amarildo e Oseney) e Francisco Conceição de Freitas ajudaram os executores a esconderem os corpos de Bruno e Dom na mata, na tentativa de livrá-los do crime. Quatro desses denunciados, além de Amarildo e Jefferson, ainda convenceram um jovem com menos de 18 anos de idade a participar do crime e vão responder por corrupção de menor, previsto no art. 244-B da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). O MPF aguarda que a denúncia seja recebida pela Justiça.
Há ainda um terceiro inquérito em andamento, que busca apurar a existência de possíveis mandantes dos assassinatos. A investigação tramita sob sigilo e está em fase de diligências finais. Além disso, em inquérito que é desdobramento do caso, o MPF denunciou Ruben Dário da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, por organização criminosa para a pesca predatória no Vale do Javari (AM).
Segurança no Vale do Javari – Localizado nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do Amazonas, o Vale do Javari tem cerca de 8,5 milhões de hectares. Habitado por 26 povos originários (Kanamari, Kulina Pano, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá, Marubo, entre outros), o território ainda concentra o maior número de indígenas em isolamento voluntário do planeta. A área protegida sofre pressões e ameaças constantes de madeireiros, garimpeiros, da pesca e da caça ilegais, além de outras atividades criminosas, cenário que ficou ainda mais evidente com a morte de Bruno e Dom. “Há diversos procedimentos relacionados ao Vale do Javari, não apenas sob a ótica criminal, mas também sob a ótica de garantia de direitos individuais e da qualidade de vida da população residente no local”, explica Guilherme Leal.
Um dos procedimentos instaurados como desdobramento dos crimes tem o objetivo de fiscalizar, de forma contínua, a adoção de providências pelas autoridades responsáveis para viabilizar a melhoria de condições das Bases de Proteção Etnoambiental (Bape) localizadas na terra indígena. Em recomendação enviada à Funai e ao Ministério da Justiça em julho de 2022, logo após os crimes, o MPF pediu a estruturação e modernização das bases, além de equipamentos, equipe e segurança necessários para o adequado funcionamento. O órgão atua, ainda, para garantir saneamento básico ao povo indígena Kanamari. “O MPF tem feito um acompanhamento periódico, com visitas regulares ao Vale do Javari, com objetivo não só apuratório para o caso Bruno e Dom, mas também para coibir, verificar e investigar outras eventuais situações e irregularidades que ocorram na região”, conclui o procurador.
Quem eram Bruno e Dom?
Servidor de carreira da Funai e um dos maiores especialistas em indígenas em isolamento voluntário do Brasil, Bruno Pereira estava licenciado do órgão desde 2019 e trabalhava como consultor para a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Segundo a organização, ele recebia constantes ameaças de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais por sua atuação em defesa dos povos tradicionais e do meio ambiente da região.
Já Dom Phillips era um veterano na cobertura internacional e colaborava com o jornal inglês The Guardian, um dos mais respeitados órgãos de imprensa do mundo. Também trabalhou para veículos como Washington Post, The New York Times e Financial Times. Escreveu inúmeras reportagens denunciando atividades criminosas na região amazônica e desmatamento. Com mais de 15 anos de Brasil e ampla experiência na área, ele estava no Vale do Javari entrevistando indígenas e ribeirinhos para um livro sobre a Amazônia.