Bruno Pacheco – Da Redação O Login da Notícia
ITACOATIARA (AM) – “Um genocídio legislado”, assim define a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) o Projeto de Lei 490/2007, conhecido por estabelecer a tese do “Marco Temporal” para demarcação de terras indígenas. O texto, cujo regime de urgência foi aprovado na semana passada na Câmara dos Deputados, com mérito previsto para ser votado nesta terça-feira, 30, é duramente criticado pelas populações tradicionais e visto como inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).
A medida, defendida por ruralistas, determina que a demarcação de terras indígenas só pode ser realizada se os indígenas comprovarem que estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988, ou seja, quando a Constituição Federal foi promulgada. “Se aprovado, o PL condiciona a demarcação das terras tradicionais à presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988, o que, para o MPF, representa ameaça ao direito das populações originárias ao seu território”, diz o MPF.
Em nota, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgou nota pública nessa segunda-feira, 29, nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do projeto de lei e alertando para a análise direta do texto, sem passar por comissões mistas.
No documento, o MPF chama atenção para a “impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta frontalmente inconstitucional”. “Além disso, os direitos dos povos indígenas – em especial à ocupação de seus territórios tradicionais – constituem cláusula pétrea, integrando o bloco de direitos e garantias fundamentais que não poder ser objeto sequer de emenda constitucional”, pontua.
“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.
Ameaças
Para o MPF, se aprovada, a tese do marco temporal consolidaria inúmeras violências sofridas pelos povos indígenas, como as remoções forçadas de seus territórios, os confinamentos em pequenos espaços territoriais e os apagamentos identitários históricos.
O órgão ministerial também critica a possibilidade contida no PL 490/2007 de contato forçado com populações em isolamento voluntário para a realização de “ação estatal de utilidade pública”. “Essa medida também se mostra inconstitucional, pois a Carta Magna reconhece expressamente o dever de respeitar a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas”.
A Nota enfatiza ainda que o PL 490/2007 não foi submetido à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, em desrespeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “A 6CCR/MPF vem a público reafirmar seu entendimento quanto à inconstitucionalidade e inconvencionalidade do Projeto de Lei 490/2007, ao tempo que espera, diante da gravidade e das possíveis consequências nefastas de sua aprovação, que o Congresso Nacional rejeite-o integralmente”, conclui o documento.
O que dizem os indígenas
Para as populações tradicionais, a tese do Marco Temporal ataca diretamente os direitos de demarcação de terras indígenas, além de ser uma manobra estritamente jurídica que tenta deturpar o direito constitucional dos povos originários. Na prática, segundo lideranças, o texto busca desconsiderar toda violência sofrida pelos indígenas ao longo dos séculos.
“A tese do Marco Temporal é um retrocesso para a democracia. Ela é inconstitucional, viola o direito indígena originário e não coloca em risco somente as terras que estão por demarcar, mas afeta todas aquelas que já estão demarcadas e deveriam estar protegidas pela lei e pelas instituições”, defende a Apib.
“A degradação causada pela invasão de Terras Indígenas troca nossas reservas do futuro, áreas preservadas em todos os biomas, pela especulação e degradação do agrobanditismo. O Marco Temporal é uma ameaça para todo o País. Não há democracia, sem demarcação”, reforçou a entidade indígena.
Protesto
Para protestar contra a tramitação do projeto de lei, indígenas têm realizado diversas manifestações em todo o País desde a semana passada, após convocação da Apib. Nesta terça-feira, 30, um ato público está programado para acontecer às 15h, no Largo de São Sebastião, no Centro de Manaus.
Além de Manaus, as manifestações acontecem, também, no Museu Nacional da República, em em Brasília (DF), às 14h; no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ), às 13h; na Escadinha Estadão das Docas, em Belém (PA), às 15h.
Pela manhã, indígenas Guaranis que bloquearam totalmente a Rodovia dos Bandeirantes, no sentido São Paulo. O protesto, contudo, terminou em confusão. Por volta das 9h, a Polícia Militar (PM) atirou bombas de gás e jatos de água nos indígenas.
Foto: @walelaps/Apib